terça-feira, 19 de março de 2024

Dia

(obrigado, meu amor)

 

São tantas as coisas

das minhas poucas coisas.

São tantas as lágrimas

como de flores mortas transporto no peito

são tantas as feridas que o meu corpo absorve

são tão poucas as coisas

que os meus olhos vêem quando acorda o dia.

 

São tantas as pedras que me apedrejam

são tantos os pássaros

que eu não consigo ouvir

são tantas as lágrimas

e a vontade de partir…!

 

(Francisco)

segunda-feira, 18 de março de 2024

Leituras

 


No rasto dos duendes eléctricos (poesia 1978-2018) de ADOLFO LUXURIA CANIBAL.

Porto Editora.

Adolfo Luxuria Canibal é o pseudónimo de Adolfo Morais de Macedo.

Licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa, foi advogado e é consultor jurídico.

É o vocalista do grupo de rock Mão Morta.

Boas leituras.

 

(Francisco)


lágrima

 


Fotografia de Francisco Luís Fontinha 

Azul

Azul a tua boca azul

azul o mar dos teus olhos

azuis as palavras

azul o silêncio

e a pedra que é lançada à chuva…

 

Azul a charrua

e a terra que é lavrada pela charrua.

 

Azul a lua

e azul a escuridão que habita o lado oculto da lua

azul a esperança

azul a paixão

e o amor

azul amar

quando o azul é apenas a noite vestida de dia.

 

Azul o dia

e azul a alegria

azul diria eu

que não importa que a tarde

seja azul

seja o azul do céu.

 

(Francisco)

Talvez

Talvez eu seja um cadáver fundeado no mar da palha

talvez eu seja um pedaço de árvore

numa qualquer lareira

talvez eu seja uma navalha

talvez eu seja uma fogueira

ou uma lâmpada ou uma estrela ou o luar…

talvez eu seja uma pedra cinzenta escondida na montanha

talvez eu seja uma lápide de insónia

quando a noite se despede de todas as janelas de todas as cidades

à face da terra

talvez eu seja uma farmácia e não o seja

que esteja

em serviço

talvez eu seja uma tágide suspensa na manhã

talvez eu seja um barco ou um barco ou um barco

dentro deste barco

talvez eu seja o mar

talvez

talvez eu seja uma brasa na mão

talvez eu seja um alicate de pontas

para esganar o dia.

 

(Francisco)

Lamento

 

Percebo a tua frieza, percebo o distanciamento,

percebo que esta estrada,

invisível ao vento

te leve à madrugada.

 

E te levará ao nada…

Percebo que me odieis quando se desenha o amanhecer

nas sombras ténues da calçada

e depois tenho de me esconder.

 

E depois tenho que me mostrar,

percebo tão bem a tua frieza e o teu silenciar…

Quando há nuvens sobre a poesia.

 

Percebo a tua frieza e percebo o teu distanciamento,

isto parece um circo e eu pareço um lamento

e a forca parece o dia.

 

(Francisco)

Noite na terra

Tudo cai, sobre mim.

Caem todas as estrelas sobre a noite na terra,

estatela-se o sol contra lua,

e ambos acabam por cair no mar.

 

Tudo cai!

 

Caem as flores sobre a água,

caem as árvores, sobre os pássaros,

e também caem os pássaros,

sobre a primavera.

 

Caem as horas sobre o meu cadáver,

quando no relógio que trago no peito é meio-dia,

caem as pedras da montanha,

cai a dignidade do poeta,

e também cai o poeta.

 

Tudo cai, sobre mim.

Caem todas as estrelas sobre a noite na terra,

estatela-se o sol contra lua,

e ambos acabam por cair no mar,

 

e assim se fez dia, hoje!

 

(Francisco) 

Quão triste, meu amor!

 Quão tristes, meu amor, são os meus versos.

Quão triste é o meu viver, fingindo que vivo, fingindo que sou, fingindo…

Ser.

Quão triste, meu amor, é a vírgula, é o ponto de interrogação, é o ponto final, do poema, do texto; da vida!

 

Quão tristes, meu amor, está este rio e esta montanha e este pássaro e esta ponte e aquele barco,

Quão tristes, estão, meu amor.

Quão triste, meu amor, respirar o oxigénio martelado, adulterado e às vezes, emprestado, quão triste, meu amor, quão triste respirar este oxigénio que não me pertence.

 

Quão triste, ser como sou, quando percebo que não sou, apenas finjo ser, sabendo que nunca o serei!

 

Quão triste, meu amor, este viver!

 

 

(Francisco)

Coração

Não sei o que dizer à sinceridade do teu coração

quando nada na minha vida é sincero.

Não sei o que dizer à pureza do teu coração

quando tudo na minha vida

é puro fingimento

 

é teatro.

Não sei o que dizer-te…

Quando tu me dizes tudo

e quando eu não oiço o que tu me dizes.

 

Obrigado!

 

(Francisco)

Este pequeno livro

Nas tuas palavras

onde adormeço

quando ficas prisioneiro

nas minhas mãos devassadas

no cansaço e solidão

de frases que não esqueço

e… nas mesmas palavras

escondidas no nevoeiro;

meu pequeno livro, meu triste coração…

 

Livro

papel

palavras no vento,

livro

papel

palavras no teu pensamento.

 

Fazes-me sonhar

acreditar,

e aconteça o que acontecer

tu estás na minha mão, e na minha madrugada,

esboças-me um sorriso, pareces-me familiar,

ó companheiro e amigo da alvorada.

 

Livro

papel

teu sorriso na minha mão…

Livro

papel

solidão…

Tu és o meu livro de poesia!

 

 

(Francisco)